quinta-feira, março 29, 2007

Fim de Festa

Rodolfo Henrique* voltava do teatro lírico. Depois de nove meses de exílio, não poderia faltar ao espetáculo. Uma chuva forte caía e os raios pungiam a escuridão, assombrando a calma entre brados de trovões e gemidos de gatos. Do outro lado da cidade, onde as sombras persistem além da madrugada, nascera a hérnia de todos os pecados, embora Rodolfo não se desse conta do acontecido.

Ao chegar do passeio, o jovem se deparou com um negro parado à frente do portão. Sem entender a presença daquele estranho, pediu ao motorista que baixasse o vidro e perguntasse o que desejava falar-lhe aquele sujeito. Depois de um silêncio curto, mas profundo, o homem respondeu estar ali para dar-lhe notícias de Juliana.

Rodolfo ficara atônito como se um punhal houvesse sido cravado em seu pescoço, oscilando sua existência entre um devaneio intenso e uma ponta de consciência cruciante.

Toda aquela euforia na qual se encontrava antes da misteriosa conversa havia lhe escapado, dando espaço a uma dor mórbida e lastimável. Rodolfo Henrique tivera um surto interno diante de tal revelação. Dirigiu-se até o quarto e, como se convulsionasse, começou a soluçar freneticamente. Quase sem forças, tirou da gaveta a arma que usava para caçar.

Da rua ouvia-se o barulho de pessoas felizes que saíam do bar comemorando a vitória no jogo. Ainda que tarde, fogos de artifício estouravam para celebrar a inauguração do cinema que era realizada naquela noite. A tragédia na qual o rapaz se infiltrara com toda a sua alma fizera dele um homem perdido.

Sem mais razão, Rodolfo levou a arma à altura do peito e apertou o gatilho. Os homens que ainda passavam pela rua, no delírio da bebida e na cólera da alegria, saldaram sorridentes o barulho do tiro que para eles soou como um fogo de artifício.

*o nome Rodolfo Henrique não é pra parecer nome de personagem de novela mexicana. Eu estudei, na época do teatro, com um ator que se chamava Rodolfo Henrique e que foi inspiração para o nome do personagem (embora ele tenha semelhança psicológica alguma com o "herói")

segunda-feira, março 19, 2007

quinta-feira, março 15, 2007

O pescador

Diria eu que o mar não tem fim, se eu não soubesse que o fim dele é também o seu começo! E isso eu soube lendo uma enciclopédia antiga que ficava na estante da casa do meu avô! Ele sempre dizia que se eu estudasse a enciclopédia da letra “m” teria muitas respostas para as questões da vida!
Eu descobri um dia que a enciclopédia ficava sempre aberta na página de um tal Marco José, um chefe militar que vencera uma batalha que agora eu não me recordo o nome. O militar resolveu a Questão Salina de determinada região nórdica e, por isso, foi aclamado pela população! O nome do meu avô é Marco José.
Não sei ao certo o motivo da enciclopédia ficar aberta sempre ali, naquela página. O meu avô não é nenhum general, muito menos aclamado pela população. O meu avô é apenas um pescador.
Há um ano aproximadamente que um tubarão comeu as duas pernas do meu avô. Depois deste incidente, ele nunca mais pôde trabalhar. Eu acho que ele queria que houvesse uma Questão Salina na vida dele, só pra mudar um pouco os dias pacatos que ele vive naquela casinha que fica à beira mar.
Talvez isso tudo me leve a crer que o meu avô encontrou naquelas páginas o mar com fim que eu não sabia antes da existência!

segunda-feira, março 12, 2007

Oratória extremista

Desde o início das aulas que o mundo pareceu ter tomado outro rumo! Um bom novo rumo: novos planos, novas aulas, novos amigos, novas cores...Enfim, seria tudo magnífico se houvesse uma força universal que mantivesse as coisas nesse novo bom rumo. Acontece que eu sempre fico confusa no fim das contas! É quase inevitável. Ou é “evitável”, mas eu ainda não descobri como evitar! Alemão foi a melhor escolha da Habilitação, a quantidade de matérias está no ponto, os amigos do ano passado – embora a Sra. Habilitação tenha nos distanciado das mesmas aulas – continuam sempre muito companheiros e divertidos. Não tem um grande problema aparente...mas tem...eu continuo a pensar em hipóteses futuras...o problema é que, enquanto eu não me focar na resolução dessas questões rotineiras e democráticas, nada sai, deveras, do lugar! Enquanto eu busco uma resposta pras questões “divinas”, eu escuto Paixão Segundo São Mateus, de Bach, e me elevo à significância de sei lá o quê!
Sempre que eu escuto essas músicas parece que uma espécie de passagem se abre e eu flutuo em direção ao nada, e sem intenção alguma. Queria ser uma música de Bach!
Uma coisa que nunca foi contada aqui, pelo menos não que eu me lembre, é o meu gosto estranho por coisas extremas! Há um certo fascínio nos extremos que eu não sei explicar, porque eu jamais gostaria de vivê-los. Se eu fizesse sessões de terapia, a terapeuta certamente diria que eu tenho desejos ressentidos, o que não é bem a questão! Esse extremo é de um belo, tipo clichê, bem filme mesmo! Um personagem do tipo Padre Amaro, por exemplo. É difícil de explicar a essência desse sentimento porque ele é tão meu (que não é seu)! E quando eu escuto Bach eu sinto esse extremo altamente clichê (não estou chamando Bach de clichê, longe de mim!). Esse sentimento às vezes parece que é uma mistura de pecado e de prazer....mesmo eu não acreditando na concepção de pecado imposta pela Igreja...Aliás, a Igreja é hipócrita, como definiu o nosso Presidente. E eu sou hipócrita muitas vezes....mas a questão aqui é o extremo e não a minha hipocrisia. A Igreja sempre me remete aos extremos, talvez porque ela própria é extremista. É por isso que algo me fascina nas missas, nos padres, nas músicas religiosas, nas imagens dos santos...

Mesmo me fascinando, nada disso consegue me prender. E esse texto seguiu um rumo extremamente extremo. Eu nem ia escrever isso...

Eu tentarei escrever todos os dias! Mesmo que seja pra postar um poema meu ou um conto. Quero me habituar a escrever todos os dias.

quinta-feira, março 01, 2007

Macabrismo

Resolvi escrever algo que pode parecer mórbido. Na verdade, é mórbido! Mas quem não não tem seu lado mórbido que atire a primeira pedra!
Lendo o texto de um amigo, comecei a questionar o grau da minha morbidez: e eu cheguei a conclusão de que eu tenho o nível máximo de morbidez!
Eu deveria contar coisas mais agradáveis para vocês, mas eu sou mórbida. Em Buenos Aires há muitas coisas agradáveis: mas também há cemitérios por lá!
Eu e K. ficamos andando juntos pelo Cemitério da Recoleta enquanto D., S. e G. faziam um outro caminho! Passávamos de túmulo em túmulo. Queríamos encontrar o túmulo da Evita! Enquanto fazíamos uma espécie de ronda pelos túmulos, percebi que havia um cheiro estranho vindo de um túmulo em especial. Não guardei o nome do defunto...devia ter guardado....cheiros sempre ficam presos na minha memória, mesmo que eu não queira!
E lá estava eu cheirando os túmulos de sei lá quem! Era um cheiro de carniça horrível o do outro túmulo. Mas eu passei a respirar mais profundamente a cada túmulo novo, como se fosse encontrar aquele mesmo cheiro sempre. E eu só percebi que eu estava fazendo aquilo depois de um tempo. Uma atitude um tanto macábra.
Quando criança, eu sempre tive medo de cemitério. Mas naquele momento eu não tive...era dia e eu estava acompanhada!
Eu não sei muito bem como explicar isso! Mas era um modo, instintivo talvez, de eu firmar a minha vida naquele lugar tão lúgubre!


obs: passamos pelo túmulo da Evita e nem percebemos que era o dela. Tão simples. Voltamos depois, com direito a explicação turística....uma comparação da Evita com o Robinwood! Digno de blogue!